Petrópolis, a cidade que caiu junto com as mulheres

As cidades caíram… lembrei do título do editorial da ONG FASE que contribuí em janeiro de 2011. Lembrei do intenso debate, dos estudos e pesquisas que se desdobraram, das propostas de políticas públicas para evitar novos desastres como aqueles ocorridos na Região Serrana do Rio de Janeiro. Lembrei de como naturalizamos as enchentes no verão. Realmente é natural que neste período chova mais que o normal, mas é natural o que temos assistido ano após ano? Agora o desastre de Petrópolis, um desastre ambiental, urbano e social. Não é qualquer coisa ver ruas desaparecendo, mas o mais duro, o desaparecimento, a morte de pessoas. Não é qualquer coisa se deparar com o número de mortos. Segundo dados da Polícia e Defesa Civil, divulgado pela Agencia Brasil (02/03/22), são 232 vítimas, sendo que 138 mulheres, 94 homens, 44 crianças, 1117 desabrigados. Há 3 semanas atrás, algumas matérias chamaram atenção de que maioria dos corpos encontrados eram de mulheres. Hoje, estamos com dados defasados do Censo IBGE, em especial de detalhes territoriais sobre como e onde se localizam os domicílios com maior número de mulheres, idade e chefiados por nós. Contudo, é evidente desde do ultimo censo que locais mais precários tendem a ter mais mulheres e domicílios chefiados por mulheres. Considerando os dados mais gerais e a própria condição de vulnerabilidade social que se impõe às mulheres pobres responsáveis pelas atividades domésticas e de cuidado, não é por acaso as casas arrastadas pela força das águas encontrarem mais mulheres que homens. Permanecer e trabalhar em casa para as mulheres que são residentes em áreas de risco, é sim mais arriscado, sobretudo, se as chuvas não “obedecerem” o horário do trabalho produtivo. 

O desastre que se abateu sobre Petropólis aconteceu em plena tarde de um dia de semana. As sirenes não tocaram como previa o Plano de Contingencia do Município para Chuvas Intensas diante do volume de chuva constatado: se ocorrer precipitação de 45 mm em uma hora e previsão de chuva moderada e muito forte para as horas seguintes, as sirenes deveriam soar por duas horas. No dia, foram registrados 260 mm em apenas quatro horas… 

As mudanças climáticas estão impondo desafios maiores a forma como historicamente foram planejadas as cidades, onde a tônica é o sonoro se vire, expressão mais radical e naturalizada de impor a lógica neoliberal de vivências e sobrevivências, isto é, cada um por si. Assim como o trabalho reprodutivo, as mulheres precisam dar o seu jeito. E neste contexto, em que as mulheres ganham menos ou simplesmente não são remuneradas pelo seu trabalho doméstico, a não regulação do uso e ocupação do espaço urbano impacta o modo como as tarefas de cuidado da casa e de pessoas são exercidas e, consequentemente, a própria sobrevivência das mulheres. Abordar essa dimensão expressiva do papel de mães, avós, irmãs, primas, tias, amigas e cuidadoras nos bairros periferizados e mais vulneráveis aos riscos ambientais é também reconhecer esse aspecto de cidades seguras para todos e todas. Diante das tragédias climáticas, o medo cotidiano ganha outros contornos e se virar para ter um teto transcende a própria existência, mas a uma perspectiva coletiva fundamental de proteção e preservação da vida diante da precariedade urbana e da vulnerabilidade socioambiental.

Foto @landau – “O banheiro da casa de Tânia ficou pela metade depois que uma barreira deslizou ao lado de sua casa, em Caxambu, bairro central de Petrópolis. Tânia e neta foram levadas pela lama mas sobreviveram” – postado dia 19/02/2022

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